A Última Refeição De Um Suicida | Edimar Silva
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A Última Refeição De Um Suicida



Sexta-feira, fim de expediente. Saio do trabalho olhando para o céu, admirando a tempestade que se forma lá no alto. Levo, comigo, as poucas coisas minhas que estavam no escritório onde, por anos, trabalhei. Na verdade ninguém sabe que não voltarei, não fiz alarde. Preferi que meu último dia fosse como todos os outros – sendo um mero nada para todo mundo.

Passei no mercado e comprei algumas das comidas que eu mais gostava. Fingi sorrisos, como de praxe. Vi de longe alguns conhecidos na rua. Evitei passar perto deles. Com a cabeça baixa, carregando algumas sacolas e a mochila com minhas coisas, eu andava lentamente. 

Vi algumas crianças que brincavam no quintal de uma casa. Enquanto as observava, lembrei de minha infância. Lembrei da inocência em viver por viver, sem pensar, sem sentir, sem me preocupar. Meu semblante unia um sorriso de canto de boca e uma lágrima no canto do olho.

Encontrei alguns casais, felizes, andando de mãos dadas. Provavelmente estavam saindo para aproveitar a sexta-feira. Sorrisos invejáveis estampados em seus rostos. Minhas mãos, que nunca seguraram as mãos de ninguém, já estavam cansadas de segurar as sacolas. Parei em um ponto de ônibus para descansar. Um ônibus estacionou e eu acenei que não iria entrar. Minha casa não era tão perto, mas eu queria aproveitar para caminhar, por mais que esse ato me machucasse ainda mais.

Levantei-me e segui meu caminho. Ouvia trovões ecoando, a chuva estava para começar. Eu não me importaria em me molhar. Naquele momento nada mais importava. Entrei em uma rua deserta, semelhante ao meu coração. Passei por um cachorro que havia sido atropelado. Enquanto olhava para o cadáver dele, meus olhos enchiam-se de lágrimas. Pobre animal. Queria ter sido como eles. Viver sem pensar na possibilidade de morrer. Viver um dia de cada vez, sem ter noção da finitude, sem se preocupar com o amanhã.

As lágrimas desciam por meu rosto enquanto eu tentava apagar da minha mente aquela imagem. Daria a minha vida pela vida daquele cão. Daria a minha vida pela vida de qualquer pessoa que estivesse morrendo naquele momento. Carrego comigo um sentimento dolorido, de preferir o meu mal ao ver alguém mal. Talvez porque sempre me importei mais com os outros do que comigo mesmo. Talvez porque eu não mereça que alguém se importe comigo, nem mesmo eu.

Minha existência parecia se resumir em sentir todas as minhas dores somadas às dores do mundo. Eu mal conseguia suportar as minhas, por que, então, deveria sentir as dores alheias? Animais abandonados, pessoas morando nas ruas... Tudo isso me afetava de uma maneira indescritível. Algo que eu não poderia mudar (não poderia mudar meu sentimento e nem a vida de tais pessoas e animais).

Eu já estava quase perto de casa. Cansado, dolorido e mal suportando o peso que carregava – nas mãos (as sacolas) e nas costas (os pecados). A chuva havia começado e, por um breve momento, senti-me feliz. Sempre gostei de chuva. Era como se o céu e a minha alma fossem um só. Como se o céu sentisse os pesares de meu coração.

Abri o portão e não o fechei. Entrei em casa, tranquei a porta e coloquei as compras sobre a mesa. Joguei a mochila e os pertences que estava trazendo do trabalho em um canto. Abri as janelas da cozinha. Acendi as luzes e deixei-me levar pelo som da chuva caindo no telhado. Enquanto a chuva aumentava e a tempestade envolvia a cidade, eu resolvi tomar um banho para relaxar. Em meu quarto, preparada há dias, uma corda que faria a minha tempestade cessar.

De banho tomado, retorno à cozinha. Ligo o microondas e inicio as preparações do meu último jantar. Coloco um pen-drive no aparelho de som e deixo, em repeat, a canção Nobody Can Save Me. Já passava das nove da noite quando, de fato, comecei a jantar.

Eu cortava o bife enquanto pensava no animal que havia sido sacrificado para saciar a minha fome. Uma metáfora para o que fui em vida – um animal sacrificado para saciar as fomes alheias. Carnívoros que me devoraram vivo, sempre voltando para mais. Como os corvos que se alimentavam de Prometeu. Envolto em tais pensamentos, não consegui comer a carne.

Batata frita. Minha comida favorita desde criança. Enquanto a saboreava, imaginava todas as pessoas que, naquele momento, estavam com fome. Que arrogância a minha. Fazendo um último jantar enquanto há pessoas que, de fato, morrem de fome. Engulo seco e desisto de jantar. Sem sequer tocar na lasanha, deixo os copos ainda cheios sobre a mesa e me levanto.

 Apesar da fome, não havia conseguido comer quase nada. Apesar de passar tanto tempo vivo, não havia conseguido viver. Apago todas as luzes e vou até meu quarto, iluminado apenas por uma vela. Subo na cadeira, de onde admiro a vaziez de meu quarto e a escuridão que só não é total por causa de uma velha vela com a luz bruxuleante. Lá fora, o mundo parece acabar. Trovões e relâmpagos são ouvidos e vistos.

Chuto a cadeira e ouço a corda esticar-se. Embora carregasse um nó na garganta há muito tempo, a sensação de um nó no pescoço é totalmente diferente. Parece queimar a pele. Estive sufocado há anos, nunca da forma como agora. Por mais assustador e macabro que possa parecer, desta vez era uma sensação confortante. Porque, no fundo, eu sabia que seria a última. Que, desta vez, essa dor, esse sentimento de vazio e vontade de chorar não iriam durar mais um dia.

A chama da vela lentamente se apaga. A chama de minha vida também.

Enfim o (desejado, ansiado, querido e esperado) fim.












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CONVERSATION

3 comment:

  1. Esperava aliens Na história:)

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  2. Fascinante, deprimente e intenso. Assim descrevo esta triste história que é, de fato, a realidade de muitas pessoas até mesmo neste exato momento em que estou digitando. Captar o vazio que sente o protagonista, faz o leitor sentir de certo sua dor, sua angústia, a angústia de alguém que viu o mundo perder sua essência, viu a própria vida perder a essência.
    São almas que se prendem a dor e, infelizmente, não encontram outra luz para se libertarem das amarras de seu sofrimento senão seu fadado silêncio eterno.
    Doloroso, mas libertador...

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  3. Por que me identifico e ainda espero minha liberdade eterna chegar sendo que o autor diz da dor,da angustia e da essência da vida ser perder isso é realmente intenso

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