Eu Estou Bem
Era escuro. Era silencioso. O cheiro de naftalina era quase insuportável. Eu mal havia acabado de acordar, mas sentia uma sensação horrível correndo pela minha espinha. Calafrios, arrepios, suor, respiração ofegante. Dor. Meu corpo inteiro doía, como se tivesse sido atropelado. Não conseguia enxergar nada, não sabia onde estava. Mas estava sozinho - afinal, sempre estivera.
Tentei gritar, mas fui surpreendido pela incapacidade de emitir sons. Corri até chegar numa parede, bati, bati, bati, bati. Bati. Bati tanto que pude sentir algo escorrendo dos meus punhos. Levei a mão à boca e senti gosto de sangue. Eu estava preso em um lugar desconhecido, impossibilitado de pedir por socorro, dolorido, cansado, extenuado.
Sentei-me para tentar me acalmar , respirei fundo e tomei um susto quando minhas mãos foram puxadas brutamente. Fui arrastado até um lugar com uma lâmpada fraca, porém com luz suficiente para iluminar uma mesa onde algumas correntes estavam atracadas. Fui jogado sobre a mesa, sem ter forças para revidar. Vi a silhueta de uma pessoa com algo sobre a cabeça, parecia ser um saco de pano com buracos para os olhos.
Aquela pessoa colocou uma toalha em meu rosto e despejou água sem pestanejar. Enquanto me torturava, eu era capaz de ouvir alguns risinhos por baixo do pano. Estava se divertindo com o meu sofrimento. Quando eu estava quase sem fôlego e minha visão ficava turva, fui libertado e jogado no chão. Afastei-me da mesa rastejando, amedrontado, desejando fugir para algum lugar, como se eu fosse capaz de fugir naquele estado que eu estava.
Cheguei a um lugar onde havia apenas escuridão. A silhueta do meu carrasco desaparecera, o que me levou a acreditar que estava me procurando. Senti minhas costas tocarem numa coluna de tijolos, então fiquei lá, crente de que não seria encontrado. No entanto, minhas mãos são novamente puxadas, mas desta vez uma para cada lado da coluna, onde fui novamente algemado.
Outra luz fraca surgiu, pude ver meu algoz com um chicote dar a volta e ir para trás de mim. Eu estava despido e, sem pensar duas vezes, aquele ser impetuoso começou a desferir violentos golpes com seu chicote nas minhas costas. Cada estalo fazia minha pele arder, e este arder era intensificado pelo sangue quente que descia a cada nova chicotada. Eu estava quase perdendo a consciência quando, finalmente, consegui gritar.
Depois do meu grito, algumas outras luzes se acenderam e o carrasco desapareceu. As correntes se soltaram e eu já era capaz de me mover novamente. Pude, com muita dificuldade, enxergar uma pequena porta do outro lado do local onde eu estava. O medo, a dor e a ansiedade de sair daquele lugar me deram forças para ir até a porta. Eu tremia, pingava sangue misturado de suor, mas estava prestes a sair de lá.
Puxei a maçaneta e consegui sair. Pensei que nada mais poderia me surpreender depois desse inexplicável acontecido, mas eu estava enganado: do lado de fora não havia chão, não havia absolutamente nada. Era tudo branco, como se eu estivesse pairando no ar. Fechei a porta com força e, novamente, me surpreendi com o que vi. Na porta estava escrito, com a minha letra, embora de tamanho gigantesco: Eu estou bem.
Nesse exato momento, sinto-me ser puxado por um vórtice que me faz perceber que eu saía de dentro de minha própria mente. Abro os olhos e percebo que estou em minha cama. Levanto-me e noto que estou intacto fisicamente. Com muitas dores, mas isso não importa. Eu estou bem.
Vou até o banheiro para lavar o rosto. A água faz a pele arder. A ardência faz a mente lembrar. Enquanto enxugo o rosto, consigo ouvir aquele risinho cínico do meu carrasco. Olho no espelho.
Ele está lá. Ele está aqui.
Eu?
Eu estou bem.