As cicatrizes
em meu braço dizem que não sou mais humano. Eu sempre soube disso, embora não saiba
quem me cortou para escrever essa frase. Estou num desfiladeiro que parece não ter
fim, sob uma névoa e cercado por um ar sombrio.
Uma única
estrela no céu. O frio toma conta do meu corpo, eu começo a tremer. De certa
forma eu até gosto, afinal, havia anos que não sentia nada. Nem mesmo o frio.
Minhas mãos, trêmulas e geladas, sangram. Sinto um incômodo na boca e cuspo
algo estranho.
Pego aquilo
que saiu da minha boca e percebo que é uma espécie de mapa. Não que eu
precisasse de mapa, afinal, havia um único caminho a seguir. Ao menos me serviu
para saber que lugar era aquele: Vale das Sombras.
Sussurros
ao longe me davam a certeza que eu não caminhava sozinho. Mas demorei para
perceber que, quem me acompanhava, era a morte. Melhor dizendo, várias mortes.
Como se várias entidades com o intuito de levar minha alma embora me seguissem,
batalhando entre elas para saber quem sairia com o prêmio.
Eu não
valia nada, tampouco minha suposta alma. Por que tais seres desejavam tanto tomá-la de
mim?
Adiante, encontro
uma placa, na qual leio:
“Esse
caminho não tem fim. O fim deste caminho é o seu próprio. ”
Ou seja, eu
não morreria a não ser que fosse pelas minhas próprias mãos. Cabia a mim se
perambularia eternamente ou poria fim à minha existência.
Conforme
caminho, as opções vão se oferecendo. Árvores com forcas, armas de fogo,
objetos pontiagudos, galões de gasolina. Tudo que eu precisava para morrer.
Resolvo
continuar caminhando, ignorando todos os métodos de me matar que o lugar me
oferece.
O frio se
torna quase insuportável, eu morreria, se não tivesse de me matar.
Anos
caminhando. Anos sofrendo. Anos de dor.
Os
sussurros das mortes me assombram. Eu sei que, cedo ou tarde, vou sucumbir. Mas
morrerei à minha própria forma.
Enterro o punho
em meu peito e arranco meu coração. Aqueles seres que me seguiam começam a me
rondar, sinto a respiração ofegante e a saliva deles respingando em mim. Atiro
meu coração para longe. Alguns seres vão atrás do meu coração, enquanto os
outros, como abutres, esperam meu corpo cair, inerte, no chão.
Mal sabiam
eles que eu não tinha mais alma. Morreram de fome.
E aqueles
que comeram meu coração também morreram, infectados por uma doença com meu
nome.
Malditos.
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