Há tantas
dores neste peito que não posso mais chamá-lo de meu. Não pode ser meu algo que
está tão cheio de coisas alheias, tal como a dor. Este peito, agora, pertence a
ela. Por conseguinte, eu, então, pertenço a ela. Sou objeto dela.
Antes, eu
era um mero hospedeiro da dor. Hoje, ela é quem me hospeda. É no corpo da dor
que vivo. É dentro dos limites da carne da dor que estou preso. Às vezes eu
gosto de cortar a pele e ver o sangue fluir. É uma forma de fazer um pouco de
mim ir embora desta prisão. O sangue sou eu.
Quando corto a pele, não sinto dor. Talvez a dor me sinta, não sei.
Eu, este
ser imundo e repugnante dentro deste corpo feito de dor, sou um monstro indescritível.
A dor ama mostrar um sorriso falso quando percebe que alguém a olha, e ninguém,
em circunstância alguma, desconfia que estou preso aqui. Sou encoberto por um
sorriso falso. Sou suprimido por mentiras. Sou uma mentira tão bem contada que,
em grande parte das vezes, sequer me sinto sendo de verdade.
Mas sou
real. Sou o pesadelo da dor que me hospeda. Estou infiltrado dentro do corpo
que um dia foi meu, ansiando ser libertado dele.
Não me
julgue por querer a morte. Eu, de certa forma, já morri. Isto que ainda sou é
uma espécie de alma, a alma da dor que se apossou de meu corpo. Mas não posso
partir enquanto este pútrido corpo feito de dor insistir em viver.
Não é
suicídio. É matar aquilo que me prende. É libertar-me daquilo que me mata.
Morrer à minha maneira. Matar-me, morrer-me, libertar-me.
Eu preciso.
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